segunda-feira, fevereiro 18, 2008

‘Yuppie’ que é ‘yuppie’, por Joel Neto

Quanto aos ‘yuppies’, pois não sei se os temos. Temo-los seguramente na acepção com que os cunhou Dan Rottenberg, inventor do neologismo com que se resumia a expressão genérica “young urban professionals” (“jovens profissionais urbanos”) – mas não, convenhamos, na acepção precisa com que os consagraram os livros de Tom Wolfe, as canções de Frank Delaney ou o cinema dos anos 80 em geral. ‘Yuppie’ que era ‘yuppie’ era cocainómano. ‘Yuppie’ que era ‘yuppie’ não tinha mais no frigorífico do que um limão podre. ‘Yuppie’ que era ‘yuppie’ encarava as reuniões de família, o Natal e o aniversário da irmã mais nova e o funeral do tio materno, como uma visão do inferno. Pelo contrário, os ‘yuppies’ de hoje não dispensam o conforto. Pelo menos os nossos. Têm carros ronronantes, aparelhagens Bang & Olufsen e fiozinhos de ouro evocativos dos novos ‘gangsters’ de Miami – mas à noite também gostam de calçar as pantufas, ligar o Telejornal e ler o ‘Expresso’ da semana anterior, enquanto a mulher lhes aquece no micro-ondas a sopinha que a empregada brasileira deixou feita durante a tarde. São uma espécie de ‘yuppies’ de trazer por casa. Gostam do miminho, no que de resto os percebo completamente. Mas não deixam de ser uma classe, uma categoria – uma tribo. Que me diverte, muitas vezes. E que me inspira pena, outras tantas.Um ‘yuppie’ português do século XXI nunca usa uma palavra portuguesa quando pode usar uma palavra de outra língua qualquer. Geralmente é o inglês, embora não seja incomum ouvir-lhes termos em francês, em alemão ou, mais recentemente, em espanhol. E, quando dou com eles em jantares de aniversário, reuniões de colegas da faculdade ou encontros acelerados à porta do cinema, divirto-me genuinamente. Descrevem-me apaixonados o ‘benchmark’ em que estão a trabalhar, despertam-me para a necessidade de evitar o desperdício de esforços em mercados marginais ao ‘core business’, descrevem-me ‘case studies’ sobre a melhor forma de optimizar a relação entre o ‘head office’ e o back office’ – e, quando me sentem a desmobilizar, descrevem-me arrebatadamente os ‘pedipapers’ e as sessões de ‘paintball’ com que a empresa os presenteia para favorecer o ‘team building’. Acho-lhes piada – a eles e aos seus ‘briefings’, aos seus ‘brainstormings’, às suas ‘conference calls’.Por outro lado, penso que, se tivesse de viver entre eles, morria em dois minutos. Um dia fui chamado a uma reunião onde se pretendia que assumisse a chefia do portal de uma empresa de telemóveis e, a certa altura, o director olha para mim e diz-me: “Naturalmente, esperamos que use um fato. E, embora o seu horário seja das nove às seis, é claro que… bom, se a minha secretária decidisse sair às seis, eu trocava de secretária.” Fui-me embora na hora. Mas apenas me fui embora porque podia. Muitos ‘yuppies’ não podem. As suas vidas são um chorrilho de racionalizações de custos, eliminações de privilégios e mudanças no quadro de pessoal ao abrigo dos cálculos mais grosseiros de ‘full-time equivalent’. Tenho uma amiga cujo director, info-analfabeto, mandou poupar em tudo o que fosse oneroso, incluindo folhas A4, agrafes e, pasme-se, mensagens de email. Outra, cuja pequena empresa foi comprada por uma empresa maior, ouviu do novo administrador, ao fim da reunião informal em que se celebrava a conclusão do primeiro orçamento da nova ordem, a seguinte frase: “Este vai ser um ano difícil e, portanto, vocês não vão poder manter as regalias que tinham. Mas tenho aqui este champanhe que gostava de beber convosco.” Outro, director da pequena sucursal portuguesa de uma grande multinacional, treme de medo quando lhe oferecem mais um funcionário, uma vez que por cada candidato contratado, FTE ‘oblige’, terá de apresentar ao fim do ano mais um milhão de euros de facturação.“Seja decidido e transmita uma imagem positiva de si mesmo”, leio num artigo sobre como lidar com entrevistas de emprego. “Deverá manter segurança e confiança enquanto comunica.” “Cada uma das fases [do recrutamento] deve ser encarada como uma experiência”. Basicamente, ponha-se a jeito, deixe que lhe cuspam em cima – e, quando houver ‘paintball’ para o ‘team buiding’, dispare sobre os directores todos, que o que interessa é demonstrar confiança e iniciativa. Às vezes dou por mim esquerdista outra vez, cheio de sonhos sobre um mundo mais justo e fraterno. Parece que voltei quinze anos no tempo. E gosto.

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